Uma
Bala Perdida Matou o meu Sorvete
Marilene
Pitta Terapeuta Holística com Abordagem Xamânica. Atua no Rio de Janeiro e está
desenvolvendo um trabalho Curador de Atendimento á Distância. Informe-se.
Contato: marilenepitta @terra.com.br
O dia amanheceu com vontade
de viver plenamente. O céu de um azul celeste nos cobria com o seu belo manto e
todos que saiam pelas ruas, motoristas impacientes buzinavam, causando um som
entre os edifícios de um ritmo alucinante de impaciência. Uma pessoa caminhava
deliciosamente devagar e olhava cada pássaro que buscava um canto para se
esconder. Os pássaros querem se esconder de quem? Uma velha quase cega andava
trôpega pelas ruas esburacadas. Quase caiu. Bendita bengala que a sustentou. Um
bando de crianças sorria e as risadas altas e belas festejando o feriadão que
já quase tocava o tempo.
De repente, uma voz
anunciava uns produtos: joias para comprar e vender, saldões nas lojas em
liquidação, as televisões todas ligadas em chutes de bola no ar. O pipoqueiro,
o camelô, todos indo e vindo para onde... Qual o caminho?
Nesse cenário de
gratificação imediata aquela pessoa resolveu entrar num lugar e saborear um
sorvete de gengibre com calda de chocolate.
Sentou-se num banco e lá
ficou viajando nos pensamentos como as nuvens que iniciaram uma estranha dança
no céu.
Uma correria começou a
acontecer. Vozes desesperadas. Corações palpitantes. Olhares perplexos. Gritos
emudecidos. Lágrimas contidas. Raiva e indignação. Como um viajante que perdeu
o rumo, a rota, a estrada, a bússola.
Passos rápidos. Gente se
batendo como que fugindo para algum lugar que não existe. Entre o contemplar o
sorvete quase se derretendo, se soltando nas mãos, fazendo uma andança
perigosa. Parou.
Um menino passou correndo e
anunciou: mataram ,mataram, mataram...
O sorvete caiu no chão,
tombou de susto, não aguentou o choque da dor anônima. Tudo isso para chorar
junto e juntar forças para lutar cada um de um jeito. O meu reside no
território das ideias, no silencioso trabalho terapêutico, na meditação planetária
nutrida pelo entendimento que compaixão é poder.
Andando devagar num andar
torpe e silencioso o nosso personagem viu e ouviu: mais uma bala errou o alvo e
alojou-se no corpo de um ser humano. Esse ser humano tinha sonhos, tinha fé,
tinha trabalho, pagava suas contas e tinha planos para o futuro. Uma mãe se
calou. Um pai chorou. Nós ficamos congelados pela dor. Uma visão se fez e ele
viu o povo nas ruas com bandeira bradando, denunciando, gritando de dor contra
a bala que não parou. Meu país triste, enlutado, sofrido.
É uma energia que vai
assolando a todos, e o pior vai minando a liberdade de tomar decisões lúcidas. Alguém
desmaiou e teve uma visão: e contemplou os rios e mares limpos, mentes em paz,
pessoas solidárias, espíritos de bem aventuranças, crianças pedindo bênçãos.
Era um mundo maior, melhor, todos juntos em sintonia no canto do tecido dourado
de uma existência que pode ser agora. É uma composição universal. Por um
momento, tudo fez sentido. É preciso ainda caminhar na dor e no sofrimento para
que a flor de lótus cause deslumbramento.
Fico me perguntando: será
que é preciso ser assim? Recolho as ideias, e busco nas palavras uma forma de
dizer: eu sei da sua dor, do seu desespero. Há aqueles que vão ás ruas e
bravamente lutam. Há aqueles que quebram tudo numa raiva dilacerante. Há
aqueles que rezam. Há aqueles que ficam surdos e cegos. Há aqueles que fogem.
Há aqueles que ficam calados e solitários. Há aqueles que lavam as mãos. Há
aqueles que escutam a dor. Há aqueles que denunciam. Há aqueles que registram e
fazem história.
O que eu faço?
Olho para a tela do
computador e escrevo. Volto para a escuta das histórias terapêuticas e honrando
a dor do inconsciente coletivo vou aos poucos tecendo que cada pessoa reescreva
sua história que pode ser e será a história de todos nós, numa ressonância
luminosa de um tempo novo que virá.
Eu acredito nos sonhos: um
dia poderemos tomar sorvete em paz.
Eu confio que um dia vamos
juntar todas as armas e todas as balas e fazer um magnífico monumento: nunca
mais o ser humano matará e as balas serão silenciadas. Lá de cima, do espaço,
esse magnífico monumento pode ser visto e dirão: os filhos e filhas da Terra
conquistaram a Paz e a doçura do coração.
E o Planeta Azul é a nossa
casa. De todo nós.
(memórias de uma avó-terapeuta
que se nutre com esse sonho lúcido, como fazem os xamãs).
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