Mãe
Mar Iemanjá
Marilene Pitta Terapeuta
Holística. Atende no O Aprender a Conviver – Copacabana RJ.
Mestrado em Educação e
Desenvolvimento Humano pela Universidade Estácio de Sá. Dissertação aprovada
com louvor em Cultura Africana.
Nasci ouvindo o som das
águas da Bahia de Todos os Santos.
Águas dos rios que escondiam seus peixes lá embaixo para ficarem mais bonitos
quando pescados. Água das cachoeiras fazendo piscinas de doces águas para se
banhar sem se afogar. Era como um batismo terno, suave, como um canto de ninar.
Água com cheiro de mangue onde esconde o barro da vida, da forma, da modelagem
que desperta o espírito adormecido. Quando criança e continuo assim, adore
contemplar o oceano. Aquela vastidão ás vezes azul, ás vezes verde, ás vezes
cinza, ás vezes um tom impreciso. Acredito quem já chorou dores de amores
perdidos sabe identificar essa tonalidade de mar. Adoro andar nas areia com as
águas banhando os pés fazendo massagem de afeto e ternura. O vento é um belo
companheiro para esse caminhar. Nesses momentos as canções vêm á tona de uma
memória milenar africana. Cânticos antigos. Vozes velhas. Adoro cantar conchas
e pedras. Presentes do mar.
Na Bahia, não tem jeito: dia
dois de fevereiro é sagrado! Bem cedo as filas vão se formando, os atabaques
tocando, os agrados para a bela senhora do Mar chegando aos montes. De todos os
lugares. De todos os preços. Linda é a devoção do povo para a Senhora do Mar. É
uma contrição. Um silêncio na alma e no coração quando as pessoas se aproximam
do barco para colocar o presente, mesmo com o rodar das saias das baianas que
dançam e cantam fazendo as guisas de Santo também dançarem e festejarem; existe
um gesto de respeito, um olhar forte, um riso suave, uma bênção discreta. Se
der sorte vem uma Mãe de Santo e derrama água de flor de laranjeira junto com
alfazema: aí é o máximo da sinergia!
O Rio Vermelho é uma praia
pequena que comporta os milhares de corações em festa, lá em Salvador. Essa
matriz fica tatuada no imaginário que acreditando ou não contagia e expressa
uma fé, um jeito ver a vida, e celebrar os encontros, os abraços, os olhares.
Trago comigo essa marca da festa d Mãe Mar Iemanjá.
Quando participo dessa festa
popular na Bahia fico observando os papéis com os pedidos: uns são enrolados de
fitas azuis, rosas, amarelas até vermelha já vi. Sem julgamento. Vai ver que a
pessoa é cruzada com a Santa dos Raios. Melhor olhar para outro lado e
contemplar os barcos no mar. Trabalhando com o Xamanismo sempre faço um traçado
transcultural com a Mãe Terra. O arquétipo da maternidade é a mesma. É como se
os braços da Mãe Natureza acolhesse nossos choros, gritos abafados, lágrimas
sufocadas por tantas decepções, danos, prejuízos, desafetos que só colo de mãe
pode acalentar. Como estamos atravessando uma crise edípica mundial, quem sabe
o colo da Mãe Mar Iemanjá pode ajudar. E como pode!
Na cultura africana, Orixá
Iemanjá é muito cultuada e respeitada. Sua comida como oferenda sagrada é cheia
de preceitos culinários: hora de cortar, tempo de ferver, como fazer, o que
coloca primeiro. Porém o mais importante é o coração. Fazer a comida para a Mãe
Mar Iemanjá é uma experiência indizível. Existe uma presença energética que
assume o poder de arrumar e decorar os pratos na ordem da hierarquia ancestral.
Ouve-se quando permitido alguns cânticos sagrados, ás vezes movimentos de mãos
e murmúrios lentos como as ondas da beira da praia.
Nesse espaço consagrado ás
oferendas pode acontecer de uma pessoa incorporar a Mãe Mar Iemanjá. Meu Senhor
e minha Senhora é algo mágico! A roupa toda em azul turquesa com pérolas,
bordada branca e prateada. Saia imensa rodada e toda enfeitada com as cores do
mar. A cabeça é algo de extasiante: uma coroa em tons prateados com fios
prateados que cobre a face. Vê-se uma pele translúcida (quem tem outros olhos
pode ver a Sereia Encantada do Mar nadando e dançando nas altas ondas do oceano
sem fim). Eu já vi e me deslumbrei. Até hoje agradeço por essa visão. O corpo
se movimenta com suavidade e as guias seguem o ritmo e o movimento. Nessa visão
havia peixes de todas as cores nadando e dançando junto. É como se caminhasse
na estrada do céu no brilho das estrelas. Um caminho de Luz!
Desse modo, estamos em 2014
festejando Mãe Mar Iemanjá. Lá na minha Bahia de Todos os Santos (cuidado com a
magia minha gente, observem a Ética) a festa mais uma vez se cumpre.
Aqui faço o meu barquinho de papel branco e
azul. Pego lápis de cor e faço estrelinhas coloridas em todo ele; uma lindeza!
Coloco um mastro e dentro alguns agrados. Leves para não afundar o meu
barquinho. Faço uma cartinha. Dou um laço. E salpico com perfume. Ah! Há um
Marinheiro formoso e belo que vai levar o meu barquinho para Mãe Mar Iemanjá.
Sei que ele é correto, bondoso e fiel. Já cortou tempestades. Sabe de cor e
salteado todas as estradas das águas. Nunca se perdeu no mar: seja noite, seja
dia: ele vai com garbo e medalhas pelos serviços prestados aos filhos da Terra.
De manhã bem cedo, cumprimentando o sol piso nas areias de Copacabana, peço
licença ao mar e entrego o meu barquinho novinho em folha. Ele dá uma meia
volta e logo pega uma onda forte. Sei que Marinheiro está no comando. É bonito
ver os raios do sol dando brilho a esse gesto milenar que acompanha a minha ancestralidade
africana. Agradeço e abençoo. Mais um rito de passagem se firma e se fortalece
na Confiança de andar em sintonia com as batidas do coração. Antes de fechar o ciclo do contato energético, surgiu
um fio de luz diferente que o sol presenteou o mar. Parecia um colar prateado
que dançava no brilho do quase por do sol. Nunca mais esqueci esse registro.
Ele veio agora com a mesma força.
Dessa vez, eu peço a Mãe Mar Iemanjá que tome
conta das crianças e também das nossas crianças internas. Que possamos ser mais
conscientes, mais respeitosos, mais confiantes na Espiritualidade que ilumina o
caminhar de cada um. Seja no Bósforo (lá na Turquia), na Índia, no Mediterrâneo,
no Pacífico, no Atlântico, no Mar Morto, Mar Negro. Mar é mar. Oceano sem fim
bate em ondas como o nosso coração vivo. Nesse momento, aceite Mãe Mar Iemanjá
esse pedido e tome conta de todo esse ano de 2014 que já acorda com gosto de é
preciso mudar, transformar, modificar e mais do que nunca aprofundar e ampliar
a arte de ser consciente com o Mar e com a Terra... Assim todos serão sempre
abençoados pelo Mar e pela Terra. Tudo Mãe em nós na sintonia do Amor Divino.